Retrospectiva para quê?

Imagem: uol.com .br
Artigo escrito para o Correio da Cidadania e publicado em 21 de dezembro de 2012.

A retrospectiva que eu queria não será possível fazer neste final do ano de 2012, e até acredito que, com o andar dessa carruagem chamada Brasil, em nenhum ano até 2200! Muitos vão se alegrar, pois, com este artigo, encerro meu ativismo socioambiental. Feliz 2013!


Telma Monteiro

Pediram-me que fizesse uma retrospectiva de 2012, abordando os temas que mais criaram polêmica na área onde tenho atuado. Tentei inúmeras vezes escrever, buscando nas postagens do meu blog aquilo que mais me deixou indignada. Como o antigo escritor sem inspiração, que ficava na frente da máquina de escrever olhando para um papel em branco, eu, dias seguidos, fiz o mesmo diante da tela do computador com uma página branca sobre o azul de fundo do programa.

Pensei, suspirei e me perguntei para o que serviria a retrospectiva. Para relembrar que os Guarani-Kaiowá estão morrendo no Mato Grosso do Sul, porque o governo e a Funai não dão a mínima para eles? E que eles apenas estão reivindicando aquilo que é seu direito imemorial? E que, acossados, eles, os Guarani-Kaiowá, não têm como lutar contra sua humilhação e degradação social diante de grandes fazendeiros que contratam jagunços para proteger suas suntuosas fazendas despidas da floresta?

 Retrospectiva das imagens da destruição que a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, está impondo às populações ribeirinhas e aos povos indígenas? Lembrar que Altamira está se tornando uma pocilga, sem infraestrutura, com índices alarmantes de prostituição e violência, doenças e miséria? E que isso já aconteceu em Rondônia com as usinas do Madeira?

Lembrar que tudo isso é só porque um governante acha que o Brasil tem que crescer 5% ao ano, mas neste ficou no mísero 1%, aceitando que o sacrifício imposto aos impactados na Volta Grande do Xingu e região não foi suficiente para levar a economia do Brasil à estratosfera megalomaníaca de Dilma Rousseff e Lula?

Agora, veja-se o resultado visível e risível de Dilma, em momento de ufanismo economicida, vangloriar-se de elevar o Brasil à posição de 6ª economia do mundo, prometendo a 5ª. Pois é, acaba de cair para 7ª. Para quê? Alguém no governo fez a conta do custo desse esforço crescimentista para o meio ambiente e para as futuras gerações? Esqueci que é esse o futuro que eles querem, e não o que queremos.

Retrospectiva do processo que aprovou o Código Florestal no Congresso Nacional, que ainda discute se o agronegócio vai desmatar mais ou menos nas APPs (Áreas de Proteção Permanente), e como acelerar a anistia dos criminosos desmatadores? Lembrar que a sociedade considera boa a redução, em pontos porcentuais, do índice de desmatamento na Amazônia, em relação ao ano passado, quando na verdade deveria chorar pela floresta derrubada que, lamentavelmente, é transformada em índice?

Retrospectiva do ataque terrorista de que foi alvo o povo Munduruku, na região do rio Teles Pires, por ordem não se sabe de quem? A polícia federal, sob a desculpa de combater o garimpo ilegal, fez uma incursão de filme do Arnold Schwarzenegger, tipo Comando para Matar. Isso como se nunca alguém tivesse tido conhecimento da existência secular da extração de ouro nessa região, comandada por empresas clandestinas alaranjadas, tocada por gente inescrupulosa e aproveitadora da ausência deliberada do Estado.

Para que fazer retrospectiva? Só porque é final de ano e precisa refrescar a memória de poucos brasileiros que leem, mas que descartam os fatos, mais preocupados com seu time preferido que foi campeão, sendo isso que importa? Ou para alguns milhões de outros brasileiros que estão focados no próximo Big Brother ou na Copa das Confederações e na Copa do Mundo, e preferem ignorar o derrame de dinheiro público e indícios de sobrepreço e superfaturamento nas obras dos estádios?

Relembrar as promessas recentes e irresponsáveis da presidente, que diz que pode dar desconto nas contas de luz, incentivando o desperdício? A conta de luz é cara? Claro que é, mas, se fossem acrescentados todos os custos ambientais e sociais oriundos das hidrelétricas na Amazônia e o futuro ameaçado dos ecossistemas, ela seria muito mais cara. Aí as pessoas talvez sentissem no bolso o peso dos impactos. Por outro lado, não se viu esforço no sentido de minimizar as perdas técnicas e comerciais de energia elétrica nas linhas de transmissão e distribuição, que chegam perto dos 20%. Mas energia de hidrelétricas é barata, diz o setor. Para quem?

Por falar em economia, não quero relembrar que a campanha de substituição das lâmpadas tradicionais por lâmpadas de vapor e gás de mercúrio, altamente tóxicas, pode ser o começo do fim da consciência ecológica que até vinha crescendo no seio da sociedade. Milhões e milhões para o lobby dessa indústria homicida que não prevê o descarte e não expõe o perigo nos rótulos das lâmpadas compactas fluorescentes. Lembrar que as maiores ONGs ambientalistas, como WWF e Greenpeace, têm sido as maiores defensoras dessas lâmpadas mortais?  Não, não quero fazer retrospectiva!

Que tal lembrar que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo? Satisfaz nosso desejo por justiça? Ou que algumas grandes empresas mineradoras canadenses, já por mim denunciadas, como a Belo Sun Mining, estão explorando ouro da região em que estão construindo Belo Monte?

Outras estão explorando ouro onde o governo federal decidiu construir as hidrelétricas, no rio Tapajós e outros, até formaram um consórcio para explorar a província mineral do rio Teles Pires e Juruena. Será que temos que fazer retrospectiva de todo esse lixo capitalista transnacional para conscientizar a população que entra e sai do elevador, do restaurante, de todos os lugares teclando seu smart alguma coisa?

Relembrar que o maior banco público do Brasil, que deveria financiar com juros subsidiados a iniciativa de pequenos produtores rurais, comerciantes, geração de renda, serviços, economia local, o BNDES, acaba de soltar uma grana preta para os barrageiros de Belo Monte, para a elite construtora da hidrelétrica Santo Antônio do Jari, para a Odebrecht de Jirau no rio Madeira, dá náuseas. Isso é retrospectível?

A retrospectiva que eu queria, não será possível fazer neste final do ano de 2012, e até acredito que, com o andar dessa carruagem chamada Brasil, em nenhum ano até 2200!

Muitos vão se alegrar, pois, com este artigo, encerro meu ativismo socioambiental. Feliz 2013!

Telma Monteiro é ativista socioambiental, pesquisadora, editora do bloghttp://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infraestruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.

Comentários

  1. maravilhoso texto.
    copiei e publiquei no meu blog.
    lamento q tenha encerrado seu ativismo.
    abraço carioca

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  2. Prezada, mesmo tentando compreender os motivos que resultaram em sua decisão, ainda assim é de se lamentar e entristecer profundamente. Serviços como os prestados por vc são de Utilidade Pública em alto grau de relevância. Ficamos órfãos, contudo esperançosos por um retorno após reabastecidas suas baterias.
    Saúde! Amélia Oliveira

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  3. OUSAR AINDA É PRECISO
    O governo erra ao transmitir uma mensagem de segurança que não existe. Ao invés de ficar na defensiva do sistema elétrico, deveria dizer que o momento é grave “mesmo” e que estamos diante de um verão atípico imprevisível, como mostra claramente a atitude do ONS ao acionar térmicas preventivamente em outubro, quando tudo parecia correr bem.

    Agora – depois de quase 3 meses de térmicas funcionando plenamente – os reservatórios continuam esvaziando até atingir o nível mínimo, que é quando deveriam estar iniciando. Mesmo com a permanência de térmicas ligadas pelo ano todo não há mais tempo para enchimento neste verão que está terminando. Chegaremos ao próximo verão com os reservatórios quase vazios.
    Isto não é nada “normal”. Pode muito bem estar ocorrendo um fenômeno climático semelhante ao ocorrido em 1953/56 – Período Crítico – que serviu de base para o projeto do SIN, agravado agora com as mudanças climáticas.
    Com ajuda dos empresários que já estão motivados a complementação poderia ocorrer mais facilmente, sem o recurso de novas licitações. Os dispêndios públicos com térmicas de complementação poderiam ser menores quando compartilhados com as empresas.
    Realmente a situação difere daquela de 2001: apagão seguido de racionamento por falta de energia. Hoje, sobra energia hidroelétrica – segundo o próprio ONS – e existe alternativa térmica, eólica e de biomassa, mas falta chuva para encher os poucos reservatórios. A demanda cresceu e o sistema se tornou mais complexo: precisa haver redundância de linhas para reduzir o risco no transporte de energia distante ou falta gás para acionar termoelétricas.
    Térmicas existem a vapor, de baixo rendimento – verdadeira reminiscência arqueológica da revolução industrial – que combinadas com térmicas a gás pode levar a economia de combustível fóssil e aumento do rendimento conjunto (cogeração).
    Assim como ousou rever concessões e reduzir encargos sobre tarifas – uma ação constrangedora para suas próprias empresas – deveria condicionar a redução a uma contrapartida daquilo que foi um pedido dos próprios empresários (da FIESP), ou seja: a aquisição de térmicas de reserva.

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