Indígenas isolados da região do rio Madeira estão desprotegidos

Mateiro da expedição da Funai realizada em 2009
constata vestígios de passagem de indígenas na região na forma de
quebradas manuais em arbusto e em folhas de babaçu. (Funai)
Embora as hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, consideradas as duas maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estejam avançadas, somente em 2011 é que o governo federal toma medidas para tentar proteger indígenas isolados

Elaíze Farias

Considerados os grupos mais vulneráveis pelos impactos das construções das hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, em Rondônia, as populações de indígenas isolados ainda não estão com suas terras protegidas e sequer delimitadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). As duas hidrelétricas fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.
Somente neste ano, quando as obras das duas hidrelétricas já alcançam uma fase mais adiantada (no último dia 6, a Santo Antônio recebeu do Ibama autorização para efetuar “supressão vegetal”), é que a Funai realizará ações para e compensar os impactos sociais que, obrigatoriamente, vão provocar nas terras indígenas, incluindo as dos grupos isolados.
As ações serão realizadas com por meio das Frentes de Proteção das regiões de Impacto das Hidrelétricas do Madeira, criadas em agosto do ano passado.
De acordo com levantamento prévio da Funai, há pelo menos cinco grupos de indígenas isolados na área de influência da Hidrelétrica de Santo Antônio. Na Hidrelétrica de Jirau há três grupos isolados confirmados e um quarto em verificação.
Alguns destes grupos deslocam-se entre os territórios de Rondônia e do Amazonas. Nenhum dos cinco grupos que estão na área de influência de Santo Antônio tem contato com o “branco” e não se tem informação sobre a língua que falam.
Telma Monteiro, representante no Brasil da Associação para Povos Ameaçados, que tem sede na Alemanha, e membro da ong Kanindé, que participou de uma expedição para confirmar a presença de índios isolados na área, em 2009, faz um alerta para este atraso da Funai em agir e critica a liberação dos licenciamentos antes mesmo da criação de medidas para proteger os indígenas.
“As licenças ambientais foram concedidas para as duas usinas com 99 condicionantes. Entre elas as sobre questões indígenas, que acabaram não cumpridas. Então as obras entram em fase avançada, já com testes nos vertedouros e os impactos não foram mitigados devido ao não cumprimento das condicionantes. Para que serve o processo de licenciamento ambiental”, questionou Telma.
Em setembro do ano passado, a Funai firmou convênio com os consórcios Energia Sustentável do Brasil, responsável pela Hidrelétrica de Jirau, e Santo Antônio Energia, responsável pelo empreendimento que leva seu nome.
Foi estabelecido que cada consórcio entraria com recursos para financiar um “plano emergencial” para localizar os indígenas isolados e “restringir” suas áreas às obras dos dois empreendimentos.
Telma Monteiro também questiona essa medida paliativa. Ela cita o exemplo da Hidrelétrica de Belo Monte, onde também há registros de índios isolados. Segundo ela, até hoje a Funai não publicou a portaria que estabelece a restrição das áreas de indígenas isolados. Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, afirmou que o licenciamento ambiental de Belo Monte sairá em fevereiro.
Planejamento
As frentes de atuação da Funai estão em fase inicial. Rieli Franciscato, coordenador da Frente Uru-Eu-Wau-Wau, disse que termina neste mês de janeiro o planejamento das ações que serão implementadas ao longo de 2011.
Segundo Franciscato, as ações de “proteção aos índios" serão financiadas com recursos do consórcio Energia Sustentável do Brasil, cujo principal acionista é a empresa francesa GDF Suez. O consórci liberará R$ 800 mil para a aquisição de insumos, contratação de profissionais e instalação de uma base de apoio da Funai na área próxima onde circulam índios isolados.
Conforme Franciscato, dos três grupos isolados confirmados na área de influência da hidrelétrica, dois deles são de origem Tupi-kawahiva. No entanto, os dois grupos não têm contato com outros povos indígenas da área. Um terceiro grupo, composto por aproximadamente 300 pessoas, é de origem desconhecida. Ele conta que os impactos indiretos são as maiores preocupações das Frentes da Funai.
“Com estas obras, vêm a valorização da área, a pressão causada pela chegada de migrantes, a abertura de estradas, a presença de pessoas pesquisando sobre área de garimpo e a mudança nos canais dos leitos de rios onde ocorrem a piracema (migração de peixe)”, diz Franciscato. Segundo ele, há ainda o alto risco de contaminação dos indígenas por doenças como malária e gripe.
O plano de trabalho da Frente Rio Madeira, coordenada por Rogério Vargas, trabalha com “cinco referências de índios isolados”, que precisam ser confirmadas em expedições previstas para acontecer este ano.
Sua metodologia é semelhante à da Frente coordenada por Franciscato: instalação de um posto de apoio, criação de dois pontos de trabalho, aquisição de combustível para o trnasporte, contratação de mateiros e de auxiliares para realizar a expedição.
Rogério Vargas conta que é preciso “confirmar a presença dos índios isolados” para então pedir a interdição da área como terra indígena.
“Precisamos saber onde eles estão e fazer um pedido de restrição de uso”, afirmou. Os recursos para 2011 também serão de R$ 800 mil e serão liberados pela Santo Antônio Energia.
Mitigação
A criação das duas Frentes de Proteção das regiões de Impacto das Hidrelétricas do Madeira ocorreu após a divulgação na imprensa de todo o país, em meados de 2010, da existência de um relatório que apontava a presença de indígenas isolados na área de influência das hidrelétricas do rio Madeira.
O relatório apresentava o resultado da Expedição Mujica Nava/Serra dos Três Irmãos, realizada no final de 2009  e acabou fundamentando a assinatura do convênio, segundo informações de Ariosvaldo José dos Santos, coordenador substituto da Coordenação-Geral dos Índios Isolados e Recém Contatados  da Funai.
“Os dois consórcios concordaram com o plano de trabalho. Na fase 1, criamos um projeto emergencial e a criação de uma condição operacional instalada para fazer as expedições. Isto vai ocorrer este ano. O Rogério Vargas está mais adiantado porque ele teve facilidade no entendimento com a Santo Antônio Energia, pois mora em Porto Velho (RO) e tem mais facilidade de contato. O Rieli mora em Ji-Paraná e tem problema de distância”, disse Santos.
Conforme Ariosvaldo José dos Santos, as expedições previstas para estes ano “são necessárias para confirmar a existência de vestígios” de índios isolados na área de influência causados pelos impactos das usinas.
Após esta fase, os vestígios serão registrados, plotados em mapa, com coordenadas, e depois regularizadas.  
Ele admite que a construção das usinas trarão risco aos grupos indígenas isolados, pois facilita construção de estradas, fazendas, ocupações irregulares, retirada de madeira e atrai garimpeiros.
“No caso dos empreendedores, a justificativa de mitigação é em função dos riscos. Precisamos de uma condição mais sustentável para que eles (os indígenas isolados) permaneçam em seus territórios”, conta.
Convênio
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Energia Sustentável do Brasil respondeu que o consórcio firmou convênio com a Funai para repasse de verbas compensatórias para as comunidades indígenas que vivem na região do Rio Madeira.
Segundo o texto da assessoria, “embora essas comunidades estejam fora da área de influência direta dos empreendimentos, o convênio servirá para desenvolver ações para proteção e programas de etnodesenvolvimento e sustentabilidade, com foco nas terras dos povos Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Kaxarari e Uru Eu Wau Wau”.
“A questão indígena vai além das comunidades ela passa por melhorias na educação, saúde e outros aspectos sociais. Esta iniciativa faz parte das ações que Jirau vem desenvolvendo, para propiciar a essas comunidades melhores qualidade de vida”, afirma o diretor de meio ambiente da ESBR, Antonio Luiz Abreu, em declaração dada pela assessoria. O investimento de Jirau para as ações da Funai será de R$ 6 milhões, segundo a assessoria.
A assessoria de imprensa da Santo Antônio Energia afirmou que o convênio com a Funai é superior a R$ 4 milhões. Ela informou que as diretrizes da Santo Antônio Energia nessa área serão divididas em três planos de trabalho. Um emergencial, referente a uma pesquisa de campo para localização de índios isolados, e os outros para Proteção e Vigilância das Terras Indígenas das etnias Karipuna e Karitiana.
Conforme a assessoria, na Fase 2 estão previstas para os índios aldeados a elaboração de um diagnóstico etno-ambiental que nortearão ações de saúde, educação e valorização cultural, produção e sustentabilidade econômica.
Nos limites do povo Karitiana, segundo a assessoria, foi ampliado um posto de saúde e construída uma escola, além de dois alojamentos para armazenamento de equipamentos de saúde e educação. 
A concessionária vai administrar a verba para a FUNAI, sendo sua responsabilidade adquirir materiais e ferramentas de trabalho para a entidade e as associações que representam os povos indígenas, bem como, a contratação de profissionais indicados pela FUNAI para reforço de sua equipe.
Os acionistas da Santo Antônio Energia são as empresas Eletrobras Furnas, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Cemig e o Fundo de Investimentos e Participações Amazônia Energia (FIP).

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